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- A idolatria da boniteza
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
"Seja mais humano, namore alguém que seja belo, não aceite menos que isso."
Eu posso dizer que a vida é bela,
mas nem sempre posso dizer que ela é bonita. Ela é bonita quando me deparo com
coisas e momentos harmoniosos, de perene alegria, quando estou diante de
paisagens agradáveis e de situações favoráveis. Apesar de não sabermos
diferenciar muito bem os dois termos, e filosoficamente haver diversas
definições que se interseccionam, posso afirmar, por simples intuição, que ser
belo é uma coisa, bonito é outra coisa. Não consigo ver proximidade sinonímica
entre ambos os termos, mas também não posso dizer que são antônimos porque o
belo compreende o bonito, bem como o não harmônico.
Boniteza está ligada meramente às
linhas estéticas que de alguma maneira se harmonizam ou mesmo seguemalgum
padrão estético-cultural. Contudo, beleza é algo que vai além das linhas, podendo
ser o despertar súbito para algo que nos religa e nos transforma, é o olhar a
partir do não visível para o visível. Por exemplo, uma determinada pintura pode
não ser bonita, mas pode muito bem ser bela, pois pode tocar profundamente quem
a sabe enxergar, e nem sempre esse toque é à primeira vista.
Quando se diz que em nossa época há
uma ditadura da beleza, na verdade, a beleza não pode ser ditadora, pois a
beleza liberta nossos sentidos, mas o que há é a ditadura da boniteza, a
ditadura daquilo que é superficial, quando não artificial, daquilo que muitas
vezes é molde de uma época e cultura, daquilo que nos deixa escravos da forma e
da matéria. Acredito que o belo não pode ser meramente contemplado no espelho,
o belo é aquilo que comunica muito mais do que se pode ver com os olhos, até
porque as coisas não são meramente coisas, há um significado por trás delas,
portanto é a possibilidade de sentido que dá beleza às coisas, que dá beleza à
vida. A beleza é um sentido esculpido em alguma forma. Deparar-se com a beleza
é deparar-se com a possibilidade de um sentido, mesmo envolto em mistério.
Pode-se dizer que algo passa a ser belo assim que passamos a minimamente
compreendê-lo.
A boniteza é um dos ídolos que
precisamos derrubar. Engana-se quem pensa que ídolos são apenas imagens feitas
de alguém com o fim de adorá-las. A noção de ídolo é bíblica e remete a tudo
aquilo que tenta absolutizar o relativo, se o homem tenta adorar a imagem de
Deus em vez do próprio Deus, isso é um ídolo, pois Deus é maior do que essa
imagem, e adorá-la é reduzi-Lo. O ídolo sempre reduz a percepção humana,
portanto contribui para a coisificação do mesmo. Sendo assim, quando se está
viciado num modelo de boniteza, a pessoa não consegue valorizar aquilo que é
diferente, nem muito menos o belo, só consegue escolher o que os olhos estão
viciados.
Quando escolho alguém para me
relacionar somente por seu valor estético, estou o tratando como uma coisa que
satisfará o meu desenfreado desejo pela forma, pelo corpo, pela boniteza. A
boniteza não é um problema em si, o problema é que confundimos boniteza com
beleza. Seja mais humano, namore alguém que seja belo, não aceite menos que
isso.
Nosso ponto de vista muda quando
mudamos o ponto de onde estamos olhando. A depender do que você busca em
alguém, esse alguém pode ser belo, mesmo não seguindo o padrão estético vigente.
Portanto, duvide das informações dos olhos, não deixe seus olhos olharem
sozinhos, nós não apenas vemos com os olhos, tudo em nós enxerga, os olhos são
o meio pelo qual a alma e o espírito enxerga, quem ver apenas com os olhos é
cego. É preciso ter cuidado para que os olhos não sejam maus, porque “são os olhos a lâmpada do corpo. Se teus
olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso. Se os teus olhos forem maus,
todo o teu corpo estará em trevas” (Jesus, o Cristo #Mt6.22-23). Então, a
boniteza é vista pelos sentidos representados pelos olhos, a beleza é vista
pelo espírito, alma e corpo, portanto, os olhos devem ser servos do espírito e
da alma.
O Mestre Galileu ao falar dos
olhos como lâmpada para o corpo está também assegurando que os olhos não podem
se tornar escravos dos sentidos, pois eles podem guiar nosso corpo para a
direção errada. É preciso educar nossos sentidos para ver a beleza, e a beleza
é também uma questão de ponto de vista.
Já reparou que algumas pessoas
bonitas se tornam feias à medida que você as conhece e outras se tornam bonitas
à medida que você se relaciona com elas? É isso, a boniteza é relativa, absolutizá-la
é uma forma de idolatria que nos induz ao erro, às más escolhas, porque quem
olha apenas com os olhos está dando poder demais aos sentidos. Não é uma
questão de rejeitar as informações dos sentidos, é uma questão de libertação
dos sentidos.
Tratando-se de relacionamento,
não significa que toda pessoa bela é para você se relacionar amorosamente com
ela, porque existem outros elementos que determinam tal relação, mas é preciso
libertar-nos e olhar para o outro como o todo. Escolher alguém para uma relação
romântica é enamorar-se por suas ideias e ideais, por sua conversa, por seu
Deus, por seu corpo, por seu jeito e até mesmo considerar seus defeitos, se não
for assim o enamoramento não passa de uma “paixãozinha”. Portanto, não sejamos
idólatras, não escolhamos namorar alguém por sua representação social ou por
seu agrado estético. Sejamos livres para escolher àquilo que de fato nos
transborde e nos surpreenda a cada dia com um toque de beleza, experimentemos
ser tomados e transformados pela beleza.
Como sou homem, dou-me a
liberdade de parafrasear Nelson Rodrigues, e fica a sugestão: Na mulher interessante, a “boniteza” é secundária,
irrelevante e, mesmo, indesejável. A “boniteza” interessa nos primeiros quinze
dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual. Era preciso que
alguém fosse, de mulher em mulher, anunciando: - 'Ser bonita não interessa.
Seja interessante!’. Seja bela, porque boniteza mesmo a gente compra numa boa
clínica de estética.
Por Lucas Nascimento