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- Amor e guardanapo
terça-feira, 2 de abril de 2013
Um homem pode ter ficado, ou mesmo, namorado muitas mulheres, mas nunca
ter aprendido a amar uma única mulher. O amor é de todos os amantes, mas cada
um precisa aprender amar a amada de maneira singular. Infelizmente, muitos
nunca aprenderão isso, serão sempre amadores na arte de amar, pois amar dá o
trabalho suficiente para que se prove que o que se dizia em palavras e gestos
afetuosos era de fato amor. Mas é preciso que se diga que o amor é vivo,
portanto, como qualquer organismo vivo, corre o risco de morrer.
As duas primeiras sentenças desse
parágrafo anterior rodavam em um guardanapo desses de companhia aérea por entre
as páginas de um livro que estou lendo há alguns dias. Certamente as escrevi em
viagem, inspirado por alguma coisa que o Gilbert K. Chesterton disse, mas por
algum tempo não tive motivação para coloca-las em algum texto, contudo, hoje,
ao sentar-me para ler as páginas finais do livro,deparei-me com o guardanapo, e
a frase pareceu-me mais sedutora, mas não somente a frase, o guardanapo também,
a ponto de eles me arrancarem do assento onde lia e me obrigar a escrever.
Agora,o guardanapo já não me
parece um objeto descartável, atribui-lhe um sentido mais nobre do que o de
limpar bocas alheias. A tinta de caneta azul, com minha cacografia,parece-me mais
bela do que a impressão da logomarca da companhia aérea. Parece-me que a vida é
assim, a gente vai aprendendo atribuir beleza, digo, sentido a coisas e pessoas
com as quais nos relacionamos. Mas de início só preservei o papel descartável
porque ele carregava uma frase que me pareceu interessante demais para
descarta-la com o papel macio, todavia, depois a frase fez sentido e agora já
me apeguei a ambos.
Se não percebeu o que isso tem a
ver com amar, então vou compartilhar mais um fragmento textual que anotei, pois
era valioso demais para deixa-lo solto em um livro com milhares de palavras
altaneiras.Não é meu, é do Globot: “Já se está amando quando se advinha no
amado uma fonte de felicidades inesgotáveis, indeterminadas, desconhecidas...
Então o amado ainda é um meio, um meio único e impossível de substituir por
inumeráveis e indeterminados fins... Ama-se verdadeiramente, ama-se o amigo por
ele próprio, como o avarento ama seu ouro, quando, tendo-se deixado de considerar
o fim, o meio é que se tornou o fim, quando o valor do amado de relativo,
tornou-se absoluto”. Se não entendeu, leia quantas vezes for necessário.
Pois bem, fato é que ao nos
relacionarmos com as pessoas, elas são normalmente um meio para alcançarmos
alguns fins, mesmo que esses fins sejam nobres. Quando nos interessamos por
alguém, sempre há uma razão de ser, não acontece do nada, mesmo que não
saibamos identificar. A pessoa tem características que percebemos que podem nos
ajudar a atingir determinados fins, mesmo que o fim seja carinho, segurança,
palavras de conforto, apoio, sorrisos etc. Pasmem, mas somos assim, ao nos
relacionarmos com alguém, sem nos darmos conta,nos perguntamos: “O que vou
ganhar com isso?”. Dizer isso parece uma blasfêmia para os românticos, mas
alguns tipos de blasfêmias ajudam a nos livrar de alguns infernos emocionais.
Somos atraídos por algumas
qualidades perceptíveis racionalmente, ou não, na outra pessoa, por isso,
precisamos ter uma hierarquia das qualidades ou valores que nos interessam num
relacionamento. Essas qualidades não são somente o que você vê, mas a resposta
inconsciente, ou mesmo consciente, do que você tem a ganhar com aquela pessoa.
Pois se isso não for avaliado antes de iniciar um relacionamento ou de resolver
seguir adiante, pode ser um grande vacilo, pois aquilo que era um meio, ou
seja, estar com a pessoa,em questão de tempo, se tornará um fim. Eis o apego e
o infortúnio.
Contudo, nem tudo está perdido. O
caminho de volta ao desapego é duro, mas é possível se se entender que por mais
que a pessoa tenha se tornando em um fim para o apaixonado, ou seja, por maior
que seja o apego, pode-se fazer o exercício de devagar ir percebendo que a
pessoa de início era somente um meio para satisfazer algumas necessidades
sentimentais, psicológicas, sociais etc. do momento. Se o caminho rumo ao fim
em si mesmo é o da construção, o de volta é o da desconstrução, não somente da
imagem do outro, mas da imagem, prazeres e sentimentos de si mesmo.
Minha reflexão aqui parece pragmática,
contudo, é, sobretudo, prudente, por isso trago uma frase de Guiguesle Chartreux:
“É-te duro ter perdido isto ou aquilo? Logo, não busca perder; pois é buscar
perder querer adquirir o que não se pode conservar”. Seja no início ou no meio
do caminho, percebemos que não podíamos conservar o que, por ora, parecera-nos
agradável. Na verdade, não percebíamos que buscávamos perder o que não podíamos
conservar, ou seja, de alguma maneira já sabíamos que o queríamos não era bom
ou realmente apropriado para nós.Mas, sempre temos aquela boa dose de teimosia
típica do encantamento da paixão, e, por vezes, queremos pagar para vê no que
vai dar.
Sinto dizer que essas coisas são
como guardanapos usados para escrevermos frases em alguma viagem, um dia a gente
olha diferente para ele e não mais quer jogar fora.Contudo, outro dia, mais
cedo ou mais tarde, a genteescreve a frase em um texto maior, modifica-a e
vai-se embora o apego pelo papel descartável, pois afinal de contas já se
sabia, ele era apenas um mero guardanapo. E a gente se pergunta, “como fui
capaz de guardar isso por tanto tempo?”.
Por Lucas Nascimento